Saturday, February 14, 2009

O DIA ESTAVA A NASCER QUANDO VI OS SINAIS PELA PRIMEIRA VEZ

Felizmente, não foi uma núvem em forma de águia, como n' As Mãos de Abraão Zacuto, mas simplesmente, reflectido nas vidraças dos prédios, o horizonte onde o Sol começava a despontar.

Realmente o nascer do sol sempre me atraíu muito mais que o por do dito.

Mas, voltando a Sttau Monteiro e ao judeu Zacuto, atormentado por não ter olhado ao que se passava à sua volta enquanto o holocausto acontecia, a verdade é que, quando olhei pela janela o que vi foi quase um clarão vermelho (a foto ao lado foi tirada nessa altura, pouco antes da de cima, e não faz justiça ao que digo) como se o céu se tivesse tornado vermelho de ocidente a oriente, tão vermelho, tão vermelho como o que fez Abraão Zacuto ficar pregado ao chão sem poder mover-se, e, então, perguntar-se:

Será possível, depois de tudo o que sabemos sobre o Homem, será possível ... que ainda haja quem acenda as fogueiras?!

E responde, de seguida:

Agora sei que é possível e que estamos a ser postos à prova. E todos estamos a ser postos à prova: os bons e os maus, os que a vida já mediu e os que ainda não deram fruto, os fortes e os fracos, os que acenderam as fogueiras e os que as não apagaram.

E viremos todos, de norte e sul, de ocidente e oriente, em longas fileiras que não terão fim e a todos os Senhor perguntará um dia:

- Há muitas formas de matar; qual foi a que escolheste quando o céu se cobriu de vermelho?

E ai de quem responder "Senhor, eu dessas coisas não sei, mas sempre honrei pai e mãe e nunca trabalhei ao sábado". Porque aos olhos do Senhor há apenas um crime, o de fechar os olhos!

Releiam (ou leiam pela primeira vez) As Mãos de Abraão Zacuto, de Luís de Sttau Monteiro e não levem muito a peito que a transcrição do monólogo que vos deixo não seja, certamente, fiel: foi o que me ficou na memória e, não estou com pachorra nenhuma para ir ao livro - vão vocês, que vale a pena.

É muito curioso que o judeu Zacuto consiga ver esse único crime, aos olhos do Senhor, através do compreensível véu de ressentimento (por que não de ódio?) contra os que trouxeram o Holocausto, contra os que acenderam as fogueiras mas também contra os que as não apagaram e se acuse de ter, precisamente, fechado os olhos.

Este final do monólogo sempre mexeu imenso comigo: realmente, haverá maior "pecado" do que fechar os olhos ao que se passa à nossa volta?

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