Felizmente, não foi uma núvem em forma de águia, como n' As Mãos de Abraão Zacuto, mas simplesmente, reflectido nas vidraças dos prédios, o horizonte onde o Sol começava a despontar.
Realmente o nascer do sol sempre me atraíu muito mais que o por do dito.
Mas, voltando a Sttau Monteiro e ao judeu Zacuto, atormentado por não ter olhado ao que se passava à sua volta enquanto o holocausto acontecia, a verdade é que, quando olhei pela janela o que vi foi quase um clarão vermelho (a foto ao lado foi tirada nessa altura, pouco antes da de cima, e não faz justiça ao que digo) como se o céu se tivesse tornado vermelho de ocidente a oriente, tão vermelho, tão vermelho como o que fez Abraão Zacuto ficar pregado ao chão sem poder mover-se, e, então, perguntar-se:
Será possível, depois de tudo o que sabemos sobre o Homem, será possível ... que ainda haja quem acenda as fogueiras?!
E responde, de seguida:
Agora sei que é possível e que estamos a ser postos à prova. E todos estamos a ser postos à prova: os bons e os maus, os que a vida já mediu e os que ainda não deram fruto, os fortes e os fracos, os que acenderam as fogueiras e os que as não apagaram.
E viremos todos, de norte e sul, de ocidente e oriente, em longas fileiras que não terão fim e a todos os Senhor perguntará um dia:
- Há muitas formas de matar; qual foi a que escolheste quando o céu se cobriu de vermelho?
E ai de quem responder "Senhor, eu dessas coisas não sei, mas sempre honrei pai e mãe e nunca trabalhei ao sábado". Porque aos olhos do Senhor há apenas um crime, o de fechar os olhos!
Releiam (ou leiam pela primeira vez) As Mãos de Abraão Zacuto, de Luís de Sttau Monteiro e não levem muito a peito que a transcrição do monólogo que vos deixo não seja, certamente, fiel: foi o que me ficou na memória e, não estou com pachorra nenhuma para ir ao livro - vão vocês, que vale a pena.
É muito curioso que o judeu Zacuto consiga ver esse único crime, aos olhos do Senhor, através do compreensível véu de ressentimento (por que não de ódio?) contra os que trouxeram o Holocausto, contra os que acenderam as fogueiras mas também contra os que as não apagaram e se acuse de ter, precisamente, fechado os olhos.
Este final do monólogo sempre mexeu imenso comigo: realmente, haverá maior "pecado" do que fechar os olhos ao que se passa à nossa volta?
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