Sunday, June 01, 2014

MITOS E ALDRABICES SOBRE A AGRICULTURA EM PORTUGAL

Para quem tiver interesse por estes assuntos (e honestidade para se informar...) deixo-vos aqui o texto integral de Sevinate Pinto, no Público de hoje, sobre as barbaridades que se pesca na net sobre a agricultura portuguesa (podia ser a maior da Europa, eheheheheh!), o abandono de terras e outras que tais.

"Há relativamente pouco tempo, uma pessoa amiga reenviou-me um texto que circula na Net sob o título “Eu desconhecia isto”. O objectivo do autor, desconhecido, claro, é o de tentar demonstrar que Portugal é um dos países mais ricos da Europa, mas que os governantes o arruínam. Logo na segunda afi rmação é dito que temos 80% de solo arável, mas que está em quase completo abandono. Quanto ao resto, segundo o autor, temos de tudo e, claro, muito mais do que os restantes países europeus.
Não estranhei, habituado que estou a ouvir afi rmações do mesmo tipo. Às vezes divertem-me, mas, muito mais vezes, incomodam-me.
Não há fórum radiofónico, comício partidário ou debate público, em que não se diga mais ou menos a mesma coisa, isto é, que temos muito bons solos e um clima óptimo para a agricultura. Se não produzimos o que necessitamos, é porque não queremos, ou porque os governos deixam que tudo se abandone.
Trata-se, a meu ver, de mais uma excelente contribuição para alimentar o masoquismo nacional, que abrange uma quantidade crescente de portugueses, sempre disponíveis para absorver, como se fosse verdadeiro, tudo o que de negativo se diz sobre nós próprios.
Eu gosto muito do meu país. Não o trocaria por nada deste mundo, mas, infelizmente, a realidade é bem diferente. 
A realidade é que o Criador quis que fôssemos um país de turismo, com sol, praia e lindas montanhas, mas deu-nos muito pouco daquilo que precisávamos para a agricultura.
Vejamos então um bocadinho mais de perto os nossos recursos e depois o chamado “abandono agrícola”, que a grande maioria dos portugueses considera uma extensa realidade.
Quanto aos recursos, são conhecidas, ainda que não generalizadamente, as nossas grandes limitações, quer em matéria de solos, quer em matéria de clima.
De facto, a esmagadora maioria da superfície agrícola nacional — cerca de 3,6 milhões de hectares, se excluirmos as florestas e as áreas destinadas a outros fins, — é composta por solos pobres, delgados, pouco férteis e muito frágeis.
Para além de utilizarmos agricolamente apenas pouco mais de um terço da nossa superfície territorial (o resto são florestas, matos e áreas sociais), a maioria desses solos são delgados, têm uma composição física e química muito pouco propícia à agricultura e são muito susceptíveis à erosão (o maior risco de erosão da Europa), ao encharcamento (má drenagem) e à secura (fraca capacidade de retenção para a água).
Considerando o que dizem os nossos especialistas nesta matéria, que não são muitos, tendo em conta a capacidade dos solos fornecerem nutrientes às plantas (troca catiónica), menos de 5% da nossa superfície agrícola apresenta valores aceitáveis; mais de 70% apresenta valores baixos, e muito baixos, de matéria orgânica (indispensável para a reserva de nutrientes e para a capacidade de retenção da água) e cerca de 83% tem um ph inferior a 5,5 (acidez), o que inibe o bom desenvolvimento de uma grande quantidade de
plantas.
Em resumo, não há nenhum especialista que arrisque dizer que mais de um terço dos solos considerados agrícolas (que já são bastante menos de metade da superfície total do continente) dispõem, à partida, de condições favoráveis à agricultura. As excepções encontram-se no Minho, onde a sistemática intervenção
humana tem assegurado elevados níveis de matéria orgânica, numa parte do Ribatejo e Oeste, nos vales dos grandes rios, com solos aluvionares, e numa extensa mancha de solos argilosos do Baixo Alentejo.
Quanto ao clima, no que mais interessa à agricultura — a precipitação, a temperatura e a radiação solar — também não somos muito felizes numa parte considerável do território.
Desde logo, as influências atlântica, mediterrânica e continental, cruzadas com a orografia, provocam grandes variações climáticas (a precipitação varia de 400 mm no Interior Sul a 2800 mm no Noroeste; a temperatura média anual varia de norte para sul, de mínimos de 7,5 graus Celsius a máximos de 17,5 graus
Celsius e a radiação varia de 140 a 170 Kcal/cm2, desde o Minho ao interior do Algarve).
A distribuição da precipitação é muito adversa, na medida em que ocorre de forma excessivamente concentrada no Inverno, na época mais fria, sendo o regime hídrico mais deficiente exactamente nas zonas de maior potencial energético, com maior radiação solar e temperatura.
Como dizia o prof. Orlando Ribeiro, um dos mais notáveis geógrafos portugueses[1]: 

Em Portugal, onde há terra não há clima e onde há clima não há terra.” 

Muitas das limitações que acabei de mencionar, quer relativamente aos solos, quer ao clima, poderiam ser eliminadas,
ou reduzidas, pelo recurso à rega e pela correcções do solo. O recurso à irrigação aumentaria de forma
significativa a produtividade física dos solos e reduziria as limitações pluviométricas na Primavera e no Verão.
Infelizmente, apesar de ser, cada vez mais, uma condição necessária, ainda que não sufi ciente, para a prática de uma agricultura produtiva, moderna e competitiva, a irrigação actualmente só é possível em
cerca de 15% da superfície agrícola utilizada e, cada vez que é alargada com novas obras de irrigação,
sofre a contestação, quase sempre absurda, de uma parte da “inteligência” politicamente correcta, dentro e fora das fronteiras.
Finalmente, quanto ao abandono, cada vez mais portugueses, mal informados sobre a qualidade dos nossos recursos, onde não vêem searas, pomares, vinhas, hortas ou florestas, consideram os solos como sendo
abandonados e têm sobre isso posições bastante críticas.
Uma das razões por que tal acontece é porque se incluem nessa categoria as pastagens naturais, para a pecuária extensiva, que têm grande expressão entre nós (única possibilidade de utilização de cerca de um milhão e setecentos mil hectares de terras pobres de sequeiro). Além disso, não se valorizam as rotações
e não se avaliam as limitações naturais antes descritas. Contudo, o INE, dentro das suas obrigações
de produção estatística, que desempenha, aliás, com grande profi ssionalismo, começa por defi nir o que é abandono e procede depois à sua avaliação a nível nacional. Assim, segundo o último Recenseamento Geral, de 2009, a Superfície Agrícola Não Utilizada (SANU), atinge no continente 125.000 hectares, isto é, menos de 3% da superfície total das explorações. Apesar de 125.000 ha com capacidade agrícola e com
o estatuto de abandono serem mais do que suficientes para nos preocuparem e serem objecto de censura, estão, no entanto, muito longe, das barbaridades que se dizem sobre o abandono agrícola em Portugal. Relembro que alguns o contabilizam em milhões de hectares, chegando a mencionar áreas superiores à totalidade da área ocupada pela agricultura!
Gostaria de acreditar que se trata apenas de uma confusão de conceitos."