Wednesday, August 09, 2006

Em Espanha ainda há generais... (com tomates, presumo)

No Público de ontem, dia 8 de Agosto, o sr Tenente Coronel Piloto Aviador (reformado) João José Brandão Ferreira dá largas à sua habitual veia contra "os políticos" (leia-se, "os civis") que maltratam esses seres puros e cheios de virtudes, os militares, guardiões da Honra e da Constituição, que juraram defender.

Isto a propósito de um general espanhol que, representando o Rei numa cerimónia oficial, resolveu tecer considerações sobre o estatuto da Catalunha e as ameaças à Constituição que o dito encerrava, insinuando a ideia de que os militares poderiam não o tolerar. Levou, muito naturalmente, "uma porrada", como se diz na gíria militar, o que muito indignou o nosso tenente coronel.

O General espanhol esqueceu-se da hierarquia e aproveitou o destaque de estar e representar o Rei para fazer uma intervenção marcadamente política, que sabia ter larga cobertura dos meios de comunicação. Esta atitude, política e oportunista, está proibida a um militar enquanto tal, e o General sabia-o muito bem. Sabia também que com Tejero de Molina ainda vivo na memória dos espanhóis, a "coisa" não podia passar em branco.

Os militares durante séculos (em particular os 19 e 20) foram uma verdadeira desgraça para os países que os sustentaram, em Espanha e cá desta banda da fronteira, sempre que intervieram na governação, no seu afã de se substituirem aos "políticos menores", como lhes chama o nosso tenente coronel. "Brilharam", por essa via, verdadeiras cavalgaduras que o meu espírito cristão se recusa a nomear, mas de que os leitores terão, certamente, dezenas de exemplos, cada qual o mais incompetente, irresponsável e sobranceiro.

O senhor tenente coronel esquece-se de que os militares juraram defender a constituição mas nada dá o direito a cada um deles de defenderem a sua interpretação pessoal do que é ou deveria ser o respeito pela Constituição. Ou de se manifestarem quando, em seu entender, uma determinada lei ou uma determinada medida "dos políticos" viola a Constituição. Também era o que faltava! Se querem intervir na política, deixam a tropa (e o poder que as armas proporcionam...) e entram na política, como qualquer cidadão. Civil, entenda-se.

Os militares defendem a ordem constitucional vigente, e para isso os sustentamos dentro dos quartéis e rigorosamente fora da política, ou seja defendem o conjunto das instituições que decorrem do edifício legislativo do qual a Constituição é a lei suprema.

O senhor tenente coronel termina com uma frase do Padre António Vieira, mas esquece-se, talvez por distração, de referir o autor a quem a foi buscar. O que é muito feio.

Citando de memória e ao correr da pena, escreveu o Padre António Vieira "Se servistes a Pátria, que vos foi ingrata, vós fizestes o que devieis, ela o que costuma". O seu a seu dono...

2 comments:

Anonymous said...

Esse chico devia pensar que a frase era do Clausewitz - único pensador que lhes ficou na cachimónia, dos tempos duros da Academia Militar.
Os tropas desfazem imenso nos políticos e desdenham os civis, mas correm de língua de fora sempre que podem meter a sua colherada na política.
Grandes cavalgaduras (concordo com o termo!!!)

Anonymous said...

Acho que devia publicar aqui o artigo do Cte Brandão Ferreira, ou colocar um link para o Público daquele dia, para que quem aqui vem ou leia o Público de hoje, onde esta carta é transcrita na íntegra, possa ter opinião sobre o que efectivamente foi escrito pelo Cte.
O Cte Brandão Ferreira está reformado da Força Aérea, mas continua activo, como Comandente de avião numa companhia aérea e como membro, palestrante e dirigente de associações de história.