Thursday, December 31, 2009

A GUERRA PERDIDA DA DROGA

Com o ano a findar e tendo acabado de cancelar a reserva para um hotel onde iria ficar dois dias, com o reveillon incluído (a porra do pé não fica bom a tempo...) apeteceu-me desenterrar textos já entradotes que mostram que a guerra contra o tráfico continua a ser uma guerra perdida.

E não tinha que ser assim...

A seguir segue um texto que enviei para o Público em 1994 sobre este assunto. Infelizmente, continua perfeitamente actual, 15 anos depois de ter sido escrito.

Desgraçadamente, não há nenhuma razão para pensar que 2010 seja diferente.

Merda de gente!!!!

Acabei de ler a coluna do Dr Miguel Sousa Tavares no Público de hoje, sob o título “Ousar lutar, ousar vencer”[1]. Li o artigo de ponta a ponta e escrevo para manifestar a minha concordância. De facto, a luta contra a droga está de antemão perdida já que uma das partes joga com todas as armas ao seu dispor, e a outra move-se dentro de um quadro legal e de princípios morais e éticos que lhe tolhem os movimentos e a condenam ao insucesso.

O posicionamento estratégico do Estado e das organizações envolvidas na luta contra a droga parece-me errado. Perseguir os traficantes e penalizar os consumidores está a dar tão pouco resultado como o que os Camones obtiveram durante a Lei Seca. Em ambos os casos o consumidor não se sente um criminoso (e a meu ver não é) e o traficante tem nos lucros principescos o incentivo bastante para continuar a traficar.

Por outro lado, o consumidor tornado toxicodependente ascende ràpidamente ao status de criminoso, entregando-se a pequenos roubos que lhe garantam o rendimento necessário para obter a dose diária. A Polícia vê-se obrigada a acorrer a este pequeno delito (pequeno de per si, mas grande em quantidade de casos) dispersando esforços que, supostamente, se deveriam concentrar na perseguição aos traficantes.

O que o Dr Miguel Sousa Tavares preconiza é o abandono desta estratégia perdedora e a implementação de uma outra que tem a, meu ver, dois pontos claramente fortes, a saber:

1. visa eliminar radicalmente o tráfico de droga, retirando-lhe os clientes; resolveria de uma penada a pequena delinquência associada ao consumo, e a superlotação das prisões dela decorrente;

2. trata os consumidores como doentes, e não como criminosos, proporcionando-lhes o tratamento adequado, em condições de higiene e segurança, a preços não especulativos.

Há, contudo, um ponto fraco e de ética duvidosa:

3. o facto de a droga ser vendida nos hospitais (ou noutra instituição estatal), podendo o utilizador levá-la para consumir alhures, de forma descontrolada. Possibilitaria a sua revenda a consumidores não assumidos, eventualmente a menores.

Uma das objecções que habitualmente se levanta a soluções deste tipo é que só funcionariam se globalmente implementadas a nível mundial (o que é, no mínimo, utópico), pois sem isso o país transformar-se-ia num hipermercado da droga (tipo Holanda com as drogas leves).

Parece-me, contudo, que esta fraqueza pode fàcilmente ser resolvida, desde que o consumo seja feito nos hospitais ou em Centros de Tratamento e Reabilitação [2] a criar para o efeito. O toxicodependente não teria qualquer intervenção na preparação do produto que lhe seria ministrado, e nada teria a pagar. Seria encorajado a permanecer no Centro enquanto estivesse sob o efeito da droga, sendo-lhe proporcionado um local adequado para o efeito.

O caso de menores deveria ser tratado de forma diferente, sendo obrigatòriamente sujeitos a tratamento de desintoxicação, acompanhamento psicoterapéutico e aconselhamento para reinserção social (a começar na família e na escola).

A despenalização do consumo seria acompanhada por um endurecimento (efectivo) da lei face ao tráfico e ao incentivo ao consumo por menores.

Os custos directos a suportar pelo Estado seriam consideráveis, mas talvez fossem compensados pela diminuição da despesa em policiamento e encarceramento resultante da eliminação do pequeno delito associado ao consumo. Por outro lado, a luta contra a SIDA ganharia novo ímpeto com a redução do contágio no grupo de risco dos toxicodependentes. É o grupo mais numeroso, hoje são cerca de 1/3 do total de casos registados, e é também o grupo menos sensível às campanhas de prevenção, excepção feita à da troca de seringas, um dos poucos sucessos registados neste campo.

As almas sensíveis e as mentes bem pensantes indignar-se-ão, certamente, com propostas deste tipo, denunciando-as por pretenderem transformar os hospitais em “casas de ópio” e o Estado em rei dos traficantes. Preferirão continuar a contribuir para o Projecto Vida, superiormente gerido pelo inimaginável Padre Vitor Feytor Pinto que considera que o problema da droga está sob controlo (não disse de que cartel...), ou a rasgar elogios às quintas-de-regeneração-temporária Patriarche onde os drogadinhos vão ganhar forças para nova etapa, ao sol, ar puro e trabalho manual.

Entretanto, os nosso filhos continuarão expostos a técnicas promocionais, engenhosas e atractivas, de quem tem muito para investir num negócio mais lucrativo que o jogo e que a prostituição juntos...

. . . . .

NOTAS:

[1] Isto era, se bem me lembro, o lema de uma das listas candidatas à Direcção da Associação do Técnico ou da RIA, lá para o ano de 1971 ou 72.

[2] Aqui fica uma sugestão para o nome.

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