O novo referendo sobre o aborto, ou, usando uma expressão politicamente correcta, sobre a IGV (interrupção voluntária da gravidez), está à porta, mais ano menos ano, pelo que me parece prudente começarmos a pensar e a discutir sobre o assunto.
Acho que é uma matéria em que os partidos mais ao centro deveriam reconhecer aos seus militantes, deputados, etc, toda a liberdade de posicionamento e expressão. Aos partidos das franjas, direita e esquerda, dou de barato que assumam as habituais posições bem definidas e militantes, muitas vezes crispadas e intolerantes. (É preciso lembrar o Francisco Torquemada Louçã e o que ele pensa de quem tem e não tem direito a falar sobre a vida?...)
A minha bandeira neste particular é a do sim à despenalização. Sempre foi e não encontrei nenhum argumento suficientemente válido e de peso para deixar de o ser. O que por si só não me deixa nada confortável, nem me faz parar de pensar no assunto.
No último referendo fiz campanha, fui votar e levei pessoas a votar (dentro da cabine de voto, não sei como votaram, claro) e chateei os meus amigos de esquerda para que não dessem por adquirida a vitória do sim à despenalização.
Deram-na por adquirida, ficaram em casa - nunca houve um acto eleitoral tão pouco concorrido - e o não acabou por ganhar.
Também tentei explicar a amigos e conhecidos que não se trata de uma questão para as mulheres decidirem: para chegarmos a esse ponto é preciso que os eleitores (homens e mulheres) se pronunciem sobre a matéria e que a AR legisle nesse sentido, em conformidade com o que sair do referendo.
Até lá são todos os cidadãos eleitores, homens e mulheres, que têm o direito de votar num sentido ou noutro.
O meu problema com o aborto é que não consigo discernir (e estou farto de ler, pensar e discutir sobre o assunto) mais do que dois pontos notáveis no percurso do embrião até ao nascimento.
- O primeiro é a nidificação (se um embrião não se "conseguir" ligar à parede do útero, não tem chances de evoluir);
- O segundo ponto notável é o próprio nascimento (para mim é claro que matar um feto depois do nascimento - um bébé, portanto - ou no acto, é, e deve continuar a ser, um homicídio).
Portanto é pacífica para mim a destruição de embriões excedentários após os procedimentos de reprodução assistida, ou o seu encaminhamento para investigação.
Durante a gestação, podemos colocar barreiras às 12 semanas, às 24 semnas, às 16 semanas, quando o coração é audível, quando aparecem os dedos, quando se sentem os pontapés - o que se quiser. Mas são meras barreiras artificiais, que não alteram em nada de essencial a condição de "ser humano em potência" (não em acto), que o feto tem antes e após a barreira.
Neste debate que se impõe na nossa sociedade não deveria ser contornada uma questão, nem diabolizadas as pessoas que consideram fulcral: é crime matar um "ser humano em potência"?
Se a resposta fôr não, ficamos com um novo problema nas mãos: sendo um feto com, por exemplo, 8,5 meses um "ser humano em potência" será mesmo lícito abortar aos 8,5 meses?
Não me parece nada lícito, já que mais não seja porque um feto saudável com essa idade é perfeitamente viável fora do útero, na esmagadora maioria dos casos. Abortar nesse estágio da gestação equivale a fazer um parto provocado. Que fazer ao bébé-surpresa resultante? Matá-lo para consumar o que começou como um aborto? As técnicas abortivas ter-lhe-ão provocado mazelas irreversíveis? Não se responsabiliza ninguém? Quem?
Ou seja, o facto de eu ser a favor de uma lei que consigne a liberdade da mulher abortar, sem dar cavaco a ninguém, não me livra destes problemas de consciência. Estou e sempre estive muito, muito desconfortável com essa minha posição. Mas confesso que me sinto muito mais desconfortável ao imaginar-me na posição oposta.
Esse desconforto é, provavelmente, responsável pela minha falta de pachorra para com "libertário/as" que acham criminoso e medieval pôr a fasquia nas 12 semanas quando na terra dele/as também existe uma fasquia, só que um bocadinho mais acima...
1 comment:
O problema é a repressão que a sociedade exerce sobre as mulheres, não as apoia no planeamento familiar, não as apoia na maternidade, não as apoia na educação dos filhos e ainda por cima as prende e julga quando interrompem uma gravidez indesejada.
A sociedade e as pessoas que integram os movimentos PRÓ VIDA têm uma atitude hipócrita a este respeito.
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