O texto é muito comprido, mas o Vasco Graça Moura (DN 9/11/05) excedeu-se. Leiam, mesmo que seja só em diagonal.
"Sem prejuízo de alguma complacência risonha, devem ser tratadas com a indispensável severidade as afirmações de Soares quanto ao seu currículo político, ao seu espírito humanista, ao seu sentido de solidariedade, à sua coerência, aos seus nove livros e às suas referências internacionais.
O seu currículo político encerrou-se por um desastre quando, em 1999, se obstinou em disputar a presidência do Parlamento Europeu e perdeu, sem glória e sem fair play. Desde então foi inócuo e decorativo. Mas já antes estava manchado pela parcialidade com que ele exerceu o seu segundo mandato, num crescendo de obstrução ao Governo.
Só dois casos, entre muitos em 1992, Soares fez fortes pressões sobre a UGT para impedir a concertação social, o que Torres Couto denunciou publicamente; em 1993, quis bloquear o plano de erradicação das barracas em Lisboa e no Porto.
A mesma acrisolada solidariedade humanista com que tentou impedir uma habitação condigna para os mais desfavorecidos, já o tinha também levado a negar a existência de fome em Setúbal, quando era primeiro-ministro e sabia do que ali se passava. Só muito mais tarde veio a reconhecer que as críticas do bispo de Setúbal eram legítimas.
Quanto à coerência estamos conversados depois das suas rábulas sem nome sobre a "ditadura da maioria" e de outras mais recentes, ele, que foi um medíocre primeiro-ministro antes de ter sido um presidente injusto, insinua agora que a chefia de um bom Governo é uma má qualificação para essas funções.
Depois, vem à baila a questão da Cultura.
Enquanto ele cultivava, por puro prazer e com o charme proverbial, os seus amigos escritores e artistas, Cavaco Silva reformava a Comunicação Social (apesar de Soares, o estrénuo paladino das liberdades, ter também boicotado quanto pôde a criação da televisão privada), lançava o Centro Cultural de Belém, a Casa de Serralves, a rede de leitura pública, a Comissão dos Descobrimentos, a reforma do sistema educativo; e também criava, sensível a uma intervenção directa de Luís Francisco Rebelo, um regime de IRS em benefício dos criadores culturais e obtinha em Bruxelas os primeiros fundos para se acorrer à recuperação do património cultural.
Isto para dar só alguns exemplos de preocupações culturais sérias, de intervenções culturais ainda mais sérias e de abertura multidisciplinar e fecunda às questões da cultura.
Acaso o cultivado Soares alguma vez perdeu tempo com estas minudências?
Mas, e os nove livros?
Sem contar as suas cinco obras anteriores, uma delas editada em Nova Iorque e Londres, mais os quatro volumes de intervenções como primeiro-ministro, mais os seus artigos, que puseram levianas governações em estado de choque (coisa que jamais se passou com uma só linha escrita por Soares), o discreto Cavaco Silva escreveu livros bem mais importantes As Reformas da Década (1995); Portugal e a Moeda Única (1997), com significativo prefácio de Jacques Delors; União Económica e Monetária, Funcionamento e Implicações (1999); Crónicas de uma Crise Anunciada (2001); Autobiografia Política (2002) e Autobiografia Política-II (2004). Houve títulos que ultrapassaram os 170 mil exemplares.
Por eles se pode ver o que Cavaco Silva andava a fazer, enquanto Soares patrocinava buzinões e endereçava ditirambos alambicados "à son ami Mitterrand".
Esta figura sinistra, ligada ao Governo de Vichy, patrocinou pelo menos um acto de terrorismo de Estado em que morreu um cidadão português e não hesitou em colocar a máquina do Estado francês ao serviço dos seus interesses estritamente pessoais, incluindo a mais nauseabunda rede de escutas telefónicas aos seus próprios colaboradores, apenas com esse fim.
O autor desta sucessão de patifarias é a grande referência ética, política, internacional e humanista de Soares. Leiam-se os textos que lhe dedica a pp. 205 e seguintes de Intervenções - 10 (1996).
Cavaco Silva, que faz parte do Clube de Madrid para a transição e consolidação democrática e da restrita Global Leading Foundation para aconselhamento político ao mais alto nível dos países com problemas, sempre seria ouvido com o maior respeito no Grupo Billerberg, ou em Davos, ou no G7, ou na OMC, lá, onde Soares hoje só teria lugar "cá fora", num chinfrim protestatário contra tudo e contra todos.
Soares já tinha idade para saber que não é assim que se luta contra um adversário a quem ele devia agradecer a maior parte da visibilidade que teve enquanto foi presidente. "
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