Na manhã de 27 de Maio de 1977 saí de casa, como sempre, para ir trabalhar para o aeroporto, para a TAAG, onde trabalhava havia pouco menos de um ano.
Vivia sozinho na casa que eu estava a preparar para receber a minha mais que tudo, com quem iria casar dentro de poucos meses. A casa era alí para os lados dos Coqueiros, e fora-me passada (sem quaisquer encargos) por um colega e amigo meu, uma vez que ficara vaga com a mudança dos pais para outra casa.
Pelo caminho não notei nada de especial (de noite também nada perturbara o meu sono), só quando cheguei à TAAG é que se tornou óbvio que alguma coisa se estava a passar. Algumas das oficinas estavam fechadas e já havia notícias de que estava em marcha um golpe de estado e que "o povo tinha que dizer que as coisas não estavam bem", etc, etc.
Por volta do meio dia tornou-se óbvio que não estávamos ali a fazer nada e houve ordem para voltarmos para casa. Meti-me no BM da empresa, com os colegas a quem habitualmente dava boleia, e zarpámos para casa. Nesse tempo a empresa tinha muitos "turismos" que tinham ficado dos pulas que tinham bazado para a Tuga e que eram distribuídos aos "responsáveis" - eu abichara o BMW 2002 por ser um pula que fizera o percurso contrário aos retornas e não tinha "transporte".
Pelo caminho, do aeroporto para a av dos Combatentes (ainda não era Cte Valódia...), passámos entre o antigo RI 20 e o edifício do SPM, tendo à esquerda os edifícios do Rádio Clube. Essa estação de rádio tinha sido tomada pelos Nitistas logo no início do golpe e estava agora a ser atacada pelas tropas leais ao governo, numa coluna de autometralhadoras comandada pelo Onambua.
Quando eu passei a rotunda do RI 20 dei de caras (é o termo) com a tal coluna que vinha pela faixa contrária, mesmo mesmo ao encontro do BM, num cagaçal enorme de motores e disparos, ao que parece, para o ar - se me quisessem atingir, àquela distância era impossível falhar.
Parei de estaca e enterrei-me pelo espaço entre o volante e a parte de frente do banco ... até que o meu compadre (futuro compadre, padrinho do meu filho), o Livramento, que ia no banco ao lado, me puxou e me berrou aos ouvidos para arrancar com a merda do carro e pirarmo-nos dali (as autometralhadoras tinham cruzado o separador central, mesmo à nossa frente, e dirigiam-se para os terrenos do Rádio Clube) .
E assim foi, pisgámo-nos em grande velocidade, sem encontrar barreiras nem checkpoints.
Fomos para casa de um amigo e conterrâneo do Livramento, o Cecílio, que eu não conhecia ainda não conhecia, e aí ficámos um dia ou dois (não me lembro bem) até as coisas voltarem ao normal. Por sinal, o Cecílio arranjou-me um apartamento no mesmo prédio onde morava (nos Combatentes, depois Cte Valódia) e foi aí que passei a residir com a minha mais que tudo até regressar a Portugal, em 1988.
O golpe do Nito Alves deixou-me cheio de sobressaltos e (maus) pressentimentos: é que conhecia pessoalmente o Nito, dos tempos em que estive em Quibaxe (na tropa, depois do 25 de Abril) e ele no Gulumane, não muito longe (veja mais
aqui ). Além disso, ele foi um dois ministros que abonaram a minha entrada em Angola (o outro foi o engº Manuel Resende) e eu pedi-lhe uma audiência, para lhe agradecer e retomar contacto, assim que cheguei a Luanda. Mas ele não me recebeu o que, depois do 27 de Maio, achei que foi uma sorte.
Nunca me chatearam o que me deixou muito aliviado: no rescaldo do golpe sangrento do Nito Alves, a repressão foi muito, muito sangrenta. Tipicamente, os portugueses envolvidos foram expulsos e os angolanos executados. Mas também as minhas atividades políticas eram zero e o meu concunhado Zé Vale, da Disa, (esse mesmo, o "terceiro homem"...) sabia bem que as minhas atividades, para além do trabalho, se resumiam às farras e à pesca.
Mas que andei com eles apertados, lá isso andei...