Toda agente conhece (ou pensa que conhece) António Boto, poeta da primeira metade do século XX, a quem são atribuídos poemas eróticos do tipo do "Nunca te foram ao cu nem às perninhas, aposto..." e das "Balofas carnes de compridas tetas caindo aos montões em duas mamas pretas..."
Estava eu a preparar uns sketches para meter no youtube (aqui vai um) quando me lembrei que o António Boto (o roto, como diz o Toni Ferreira, sempre mordaz) tinha um poema dedicado ao cardeal Cerejeira que me apetecia incluir no sketch, como exemplo do que a velhice e o medo da morte podem fazer à sanidade mental de um indivíduo.
Procurei ali na estante dos livros e desenterrei um livro de poemas (As Canções de António Boto, com um artigo de Fernando Pessoa sobre o autor, à guisa de prefácio), sem nada de especial a assinalar, mas eu não sou nada versado nestas matérias...
Desenterrei também na secção sobre Fátima, um palmo de prateleira, o livro onde está o tal poema.
O livro, Fátima poema do mundo, é uma enfiada de sabujices à Igreja e em particular ao cardeal Cerejeira, de quem obteve o imprimatur (precisava?!) e a quem o autor dedica o tal poema, um soneto com um ritmo muito bem conseguido, um verdadeiro desperdício para o tema que tratava... (pode ouvi-lo aqui)
Pesando o que li (em diagonal, claro) e dando uma volta pela net (veja, por exemplo, aqui ), ficou-me a ideia de que talvez o homem não se tenha degradado com a idade, mas tenha sido sempre "assim", mais a dar para o beato (lá por ser larilas não podia ser beato?!), com uns arroubos de libertinagem desde a juventude, que o temor a Deus, à Nossa Senhora e à Santa Madre Igreja não conseguiram castrar totalmente.
Já a mão de ferro de Salazar, que o expulsou da função pública, parece ter sido mais eficaz. O desterro no Brasil, a pobreza e a doença poderão ter feito vir ao de cima e refinar o lado beato do escritor.
Vitorino Nemésio dedicou-lhe um poema no qual figura, à guisa de epitáfio:
“Ai, pobre de António Boto
Tão dandy naquele Chiado!
Antes sujinho, antes roto
Que suspeito condenado!”.
Vitorino Nemésio talvez tenha sido mauzinho ao usar a palavra roto, sabidamente ambígua. O que seria uma injustiça, já que António Boto não cultivava a ambiguidade, tão em voga entre os "artistas" dos nossos dias, antes se dizia o único homossexual assumido de Portugal...
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