A propósito da cena do far, far west, em Bissau, ouvi ontem e hoje as mais desencontradas versões, desde um senhor que me dizia que o Nino, nos tempos de "absolutismo" dos anos 80 tinha capado o extinto Chefe da Tropa, que agora foi duplamente vingado, até às habituais ladainhas de que a população da Guiné está agora muito pior que no "nosso" tempo... porque tinha um presidente sanguinário, déspota que mandou matar montes de pessoas.
E no "nosso" tempo, pergunto eu, espantado?!
É preciso ter lata, poça!
Ouçam o FADO TROPICAL do Chico Buarque D’Holanda e acompanhem com as imagens alusivas aos bons tempos coloniais; bons tempos para os apaparicados colonos, claro!
Enjoy e, por favor, sejam um bocadinho críticos quando alguém vos vem, de mansinho, defender os bons tempos em que milhões eram arrebanhados para trabalharem para o enriquecimento de uns quantos colonos, alapados numa terra que não era a deles, oportunamente "descoberta" pelos seus antepassados.
Mesmo que os beneficiados fossem uns gajos cheios de bom coração, uns tais colonos achinfalantes, libidinosos e bonacheirões, fazedores de impérios e de mulatas, como no fado do Chico, sempre prontos a aviar as negrinhas e a castigar os malandros, mesmo assim, não me digam (por favor!) que ser criado, sem perspectivas de deixar de servir o senhor até cair de velho, é vida digna de ser vivida.
Acham que é?!
Dou-vos música, que não é nada mau!
Para além do Fado Tropical, ouçam também o Tanto Mar, também do Chico, no que penso ser a versão original, ou próximo.
"Sei que estás em festa, pá, fico contente; enquanto estou ausente guarda um cravo para mim..."
E aqui a versão completa do Fado tropical, se bem que com a sífilis cortada...
Oh, musa do meu fado oh, minha mãe gentil
te deixo consternado no primeiro Abril
mas não sê tão ingrata não esquece quem te amou
e em tua densa mata se perdeu e se encontrou
ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
ainda vai tornar-se um imenso Portugal
"sabe, no fundo eu sou um sentimental
todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo...(além da sífilis, é claro)
mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar
meu coração fecha os olhos e sinceramente chora..."
Com avencas na caatinga alecrins no canavial
licores na moringa um vinho tropical
e a linda mulata com rendas do alentejo
de quem numa bravata arrebato um beijo
ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
ainda vai tornar-se um imenso Portugal
"meu coração tem um sereno jeito e as minhas mãos o golpe duro e presto
de tal maneira que, depois de feito desencontrado, eu mesmo me contesto
Se trago as mãos distantes do meu peito é que há distância entre intenção e gesto
e se o meu coração nas mãos estreito me assombra a súbita impressão de incesto
Quando me encontro no calor da luta ostento a aguda empunhadora à proa
mas o meu peito se desabotoa
E se a sentença se anuncia bruta mais que depressa a mão cega executa
pois que senão o coração perdoa..."
Guitarras e sanfonas jasmins, coqueiros, fontes
sardinhas, mandioca num suave azulejo
e o rio amazonas que corre trás-os-montes
e numa pororoca desagua no tejo
ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
ainda vai tornar-se um imenso Portugal
ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
ainda vai tornar-se um império colonial...