Bem, este não vai ser um post para teorizar sobre as praxes, por falta de pachorra.
Mas o post aqui vai, porque tinha decidido postar sobre este assunto assim que vi, babando-me de gozo, que um bando de cavernícolas foi condenado, ao fim de processo com um bom par de anos, a penas pouco mais que simbólicas por terem praxado uma caloira embolando-a em merda de vaca e outras "brincadeiras" semelhantes.
Realmente, as praxes nada têm que ver com a integração dos novos alunos (caloiros, infras, etc) na Universidade, que para isso não há qualquer necessidade de praxe...
Tem tudo a ver, isso sim, com inculcar nos novos alunos o espírito merdoso que caracteriza a "tradição" dita académica, que faz de um cábula poli-repetente um veterano temido pelos mais novos, e um "dux veteranorum" (ou marechal da praxe) de um idiota precocemente embezerrado pela cerveja.
Só mesmo pela cabeça cheia de trampa de um dux veteranorum, ainda por cima portuense, é que, nos dias de hoje, poderia passar a ideia de que as colegas veteranas não podem usar colete na fardeta dita "vestir de praxe". Cantar o fado e fazer serenatas também não pode ser coisa de mulher e quanto a ser elegível para dux veteranorum, cruzes, canhoto: nunca, mas nunca!
Portanto, de teoria praxal, estamos conversados!
Posto isto, a minha relação com a praxe começou por ser muito pacífica: em Sá da Bandeira, no Liceu Diogo Cão, os caloiros eram praxados nas primeiras semanas do ano lectivo, levavam uma carecada em forma de coroa, havia uns desfiles pelas ruas da cidade (facultativos, certamente, porque não participei em nenhum e nada me aconteceu).
A careca era o símbolo de ter ascendido à categoria de (futuro) doutor, portanto, não só não incomodava como era uma diferença notória em relação à ralé que tinha ido para a Escola Industrial e não para o Liceu. Ora, naqueles tempos, mais do que agora, era muito importante atentar nas diferenças que não nos separavam, mas nos distinguiam (e de que maneira!)...
Muitos anos mais tarde, na Academia Militar, como infra (designação dada ao novo aluno que, segundo a tradição, estava n furos abaixo de cão, mas vários acima de polícia), a coisa fiou mais fino. Estava-se em regime de internato (não havia para onde fugir) e a escola, por intermédio dos seus oficiais, fingia que não aceitava a praxe mas olhava sempre para o lado mesmo quando a praxe se exercia debaixo dos seus bélicos bigodes. E, além do mais, durava todo o primeiro ano.
Como eu, já nessa altura, não tinha pachorra para grandes conversas, para grandes filosofias, fui dos mais praxados do meu ano. Melhor dizendo, fomos dois os mais praxados nesse ano, e de longe.
Como tinha bom cabedal, as cambalhotas à volta da parada, os mergulhos na vala (cheia de água lamacenta), o "rastejar até mim!", as quedas faciais e as flexões que se lhe seguiam pouco me afectavam; em boa verdade até me endureciam o coiro e me tornavam menos vulnerável àquelas actividades. Por outro lado, como a cabeça nunca me funcionou mal (enfim, pelo menos para questões de aprendizagem) o aproveitamento escolar pouco se ressentia com a sanha praxística que eu atraía com as bocas (e os olhares) que mandava...
Dois exemplos:
O pessoal de Artilharia estava muito divertido (e bebido) pois comemorava-se o dia daquela arma. Alta madrugada, os alunos do 2º ano resolveram acordar os infras para despejarem uma arenga avinhada sobre as virtudes da Artilharia, sobre o Mouzinho, etc, etc, etc. Eu estava, obviamente, com uma valente cara de chateado e, como de costume, não me dava ao trabalho de disfarçar. Um artilheiro bonacheirão (realmente, um tipo porreiro) chegou-se a mim e, fraternalmente, aconselhou-me, em voz baixa, a por um ar menos chateado, pois eles estavam a comemorar, estavam satisfeitos, que diabo, era o dia da Artilharia! Resposta minha, imediata: eu estou-me cagando para o dia da Artilharia!
Sacrilégio! Nunca se tinha visto tal desaforo! Passei o resto da noite a ser praxado e nas noites seguintes, depois do jantar, quando o pessoal ia para a sala de estudo, eu ia para a sala da Artilharia onde me dedicava a rastejar à volta da sala, a fazer flexões e cambalhotas, etc, enquanto os outros estudavam, ou liam romances. Até que, uns tempos depois, se fartaram.
Outro caso engraçado, foi quando, não me lembro a que propósito, estava a ser praxado por um repetente (os repetentes tinham o direito de praxar os infras - nunca percebi se teriam alguma coisa a ensinar-lhes...) e eu, provocador, aconselhei-o a ir estudar pois no dia seguinte tinhamos um teste de Geometria Descritiva e ele até tinha uma série de negativas. Ele não gostou do meu atrevimento, em boa verdade ficou fulo, e a sessão de praxe prolongou-se. No dia seguinte fez-se o teste e quando saíram as notas, eu terei tido 16 ou 17 (habitual, para mim, naquela cadeira) e o desgraçado, a negativa habitual. Claro que não podia deixar passar a oportunidade de o gozar (discretamente, claro) com qualquer coisa como: eu não lhe disse que era melhor ter ido estudar, eu não lhe disse?! Isso valeu-me mais umas sessões de praxe, mas ficar calado e engolir, isso é que não!
Já no fim do 2º ano (portanto em princípio já fora da alçada habitual das estruturas da praxe) fui a julgamento de praxe por, segundo a acusação, ter provocado a expulsão de um colega mais velho na casa, para me vingar das praxadelas com que ele me teria mimoseado. A acusação era falsa, para além de vir de um pateta a quem (esse sim), nos tempos de infra, eu votava uma visceral antipatia pela forma parva, idiota e cretina como praxava. O que se passara foi que um sujeito que só queria "putas e vinho verde", mau aluno, repetente, faltoso e beberrão, (se bem que bom homem) estava a um passo de chumbar o que aconteceria se tivesse mais faltas ou um castigo que fosse. Eu tinha, nessa altura, uma posição de chefia (era chefe de camarata) e ele faltou à formatura da noite sem dizer água vai: nem sequer teve a atenção, ou simplesmente o tino, de mandar dizer que estava "ao golpe" e que eu não lhe marcasse falta, nada! Naturalmente, marquei-lhe falta e ele foi castigado, chumbou o ano, como era o segundo chumbo foi expulso da Academia e foi incorporado como soldado. Daí a acusação que me foi feita.
No julgamento de praxe fui defendido pelo Antas da Cunha (o tipo dos petróleos ANKA) e, se bem que a acusação não tivesse sido dada como provada, fui condenado a não praxar durante três meses. Pouco me importou - a minha acção como praxador era, entre outras coisas, esconder debaixo da minha cama os mais perseguidos pelos praxadores...
Enfim, basta de praxe, basta de MERDA!
Disse!