Em pleno verão de 1973, estava eu em Mafra a curtir uma de balda, quando o meu colega Zé Pedro me convidou para uma expedição à Figueira e à Luz (de Lagos, não confundir com a Luz de Tavira).
O
objectivo da expedição era observar umas luzes estranhas detectadas na serra
algarvia, num vale perto da Figueira, especialmente activas naquela época do
ano. Os entendidos na matéria consideravam altamente provável a existência de
uma base de OVNIS, subterrânea, cuja entrada se fazia por uma abertura
dissimulada na encosta do vale.
A
passagem pela Luz (para além de permitir beber uns copos, pois já in illo tempore os bares
abundavam naquela estância balnear) prendia-se com a tentativa de detectar
tipos esquisitos, com olhar penetrante e estranho (não sabíamos mais do que
isso) que, aventavam os entendidos na então incipiente ciência da ovnilogia,
seriam extra terrestres convenientemente dissimulados. Esperava-se que nós,
tipos argutos e perspicazes, conseguiríamos distinguir o extra terrestre no
meio de tanto bife que pululava na zona e que, pouco antes, tinha até tido o
topete de fazer hastear a bandeira de Sua Majestade Britânica.
- Ó Zé
Pedro, então a malta vai p'ra Luz e põe-se a cocar gajos? Isso pode ter uma
interpretação lixada! queixei-me eu.
- A
gente tem que dissimular, pá! foi a resposta.
-
Precisamente, precisamente... respinguei eu, um bocado à rasca.
Eu e o
Zé Pedro éramos colegas de curso no Técnico, mas de ramos diferentes: ele mais
para as caldeiras e coisas assim, eu mais para as chapas, rebites e parafusos.
Tínhamo-nos conhecido melhor porque colaborávamos ambos com o Prof Varela Cid (foto ao lado),
o tal que jurou a pés juntos que o Sputnik não andava nada à volta da Terra (a
verdade era só uma: rádio Moscovo não falava verdade!) e demons-trou-o por A +
B. Daí a minha desconfian-ça quando me dizem "está cientificamente provado
que..."
Claro que o velhote ficou desacreditado
e daí até ao fim da vida andou em bus-ca de projectos que lhe limpassem o nome.
Nessa
altura, com a colaboração de um grupo de manos, entre eles eu e o Zé Pedro,
andava a projectar um foguetão para levar uma cápsula às altas camadas da
atmosfera, medir a temperatura do ar, a pressão e coisas assim.
O
foguetão nunca foi construído, mas o projecto foi exposto na FIL e fomos
passear a uma base de foguetões em Espanha, p'ra vermos o que os nuestros hermanos andavam a tramar
(claro que o nosso foguetão iria voar mais alto, era uma coisa a sério...).
Bem,
voltando aos OVNIS, faltava-nos um meio de transporte para nos deslocarmos e
transportar o equipamento: uns binóculos velhos, uma Yashica já muito rodada,
umas lanternas, um embrulho que sempre acreditei ser uma tenda, e pouco mais;
ah! claro: bancos de lona que nisto de OVNIS convém esperar sentado.
O Zé
Pedro conseguiu o concurso de uma amiga, que tinha um namorado ciumento e um
Fiat 600 (tinha que ser!). Aquele figurante não chegou a aparecer mas quando,
às 5 da manhã, nos aprestávamos para iniciar a viagem, eis que o carro não
pegou. Depois de muito empurrar, constatámos que o rotor do distribuidor (uma
coisa do arco da velha que já não se usa) estava em falta. Tinha sido a
tenebrosa criatura que o tirara para segurar a namorada em Lisboa.
Descoberta
a avaria do Fiat 600, a Manela (assim se chamava a amiga do Zé Pedro) ficou
interdita, sem saber se era melhor ficar para não ter chatices com o namorado
ciumento se partir (partir, só depois das 8h30 e de apanharmos alguma oficina
com um rotor de reserva, do calibre do distribuidor da viatura).
E foi o
que aconteceu. Abancámos no primeiro café cujo tasqueiro, sonolento e remeloso,
abriu as portas, tomámos umas bicas, revimos os planos da expedição e lá
para as nove e tal, já com o carrinho arranjado, fizemo-nos à estrada.
Claro
que, com aquele atraso todo e sem os estradões de hoje, só chegámos ao Algarve
ao fim da tarde: as estradas eram más, o Fiat 600 andava devagarinho e o almoço
em Sines era, naquele tempo, um must,
incontornável. Ainda por cima, ao passarmos a serra algarvia, aí para os lados
das curvinhas de Odeceixe, demos com um desastre (não entro em pormenores, mas
o sinistrado, um médico, estava calmo e palavroso, mas em estado lastimoso).
Resultado, a Manela fartou-se de vomitar e tivemos que esperar uma meia horita
para ela se recompor e voltar para o volante (nem eu nem o Zé Pedro tínhamos
carta, portanto...).
Passámos
por Lagos e fomos directos para a Figueira, onde, depois de muito escolher o
local (não tínhamos mapa com os locais suspeitos assinalados) lá arranjámos um
sítio ermo, que nos pareceu propício. A Manela ferrou-se a dormir (toda torcida
dentro do Fiat 600, o que era indício de muito, muito sono) e eu e o Zé Pedro
montamos guarda aos OVNIS.
Lá para
as três da matina, sem termos visto nada, mudámos de sítio (foi difícil acordar
a Manela, mas lá conseguimos) e fomos para a barragem da Bravura, seguindo um
desvio à estrada Lagos - Portimão, que parte de Odeáxere. Aí estivemos até de
manhã, vimos alguns clarões (clarinhos, melhor dizendo), mas todos no chão e
que pareciam mais cigarros a ser acesos do que OVNIS.
Apanhei
uma valente constipação mas, mesmo assim, no dia seguinte (depois de uma soneca
em casa dos meus pais, que um homem não é de ferro) ainda fomos a dois bares na
Luz, mas de extraterrestres, nada.
A
Manela ainda foi abordada por um galã local, mas, à parte isso, não nos pareceu
haver tipos com pinta de extraterrestre. Como se lembram, eu não queria passar
por fresco, de
modo que me limitei a ir bebendo umas aguardentes velhas que não me curaram a
constipação, mas quase me deixaram KO.
De
volta a Lisboa, o Zé Pedro ainda me desafiou para outras expedições mas, por
estranho que pareça, calhavam sempre em dias em que eu tinha algumas
actividades inadiáveis e nunca mais alinhei.
. . . . . . . . . . . . .
Epílogo:
A
Manela acabou por se casar com o namorado ciumento (que passou a marido muito
ciumento...) e o Zé Pedro continuou, enquanto mantive contacto com ele, a
observar o céu à cata de OVNIS. O Prof Varela Cid nunca conseguiu limpar o nome
e será lembrado como o homem que provou que o Sputnik não podia estar a orbitar
a Terra...
1 comment:
Há anos li este teu texto Zezito, mas não consegui comentar... Espero fazê-lo hoje. Delicioso pela vossa ingenuidade e preparativos básicos dos mais básicos... Pena não terem visto os OVNIS para melhor "apimentar" esta crónica... Alguma vez mais olhaste para o céu com olhos de ver? Beijinhos, querido amigo!
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