Friday, July 10, 2020

RUI RANGEL E OS JUIZES - O CRIME DE FECHAR OS OLHOS


Ao ler o texto que a seguir transcrevo, tem todo o cabimento esta frase lapidar que Luís de Sttau Monteiro coloca na boca do judeu Abraão Zacut, traduzindo a acusção aos membros da comunidade que durante anos e anos fizeram vista grossa das injustiças até elas lhes baterem violentamente à porta: "(...) porque aos olhos do Senhor há apenas um crime: o de fechar os olhos".
Beltold Brecht tem um poema bem conhecido que toca a mesma tecla do olhar para o lado, por não ser nada connosco - até que é mesmo connosco.


Maria João Marques, sobre a expulsão do ex-juiz (o "ex" dá-me imenso gozo) e o julgamento que se prepara, espanta-se com o facto dos meretíssimos (eu prefiro, francamente, "meretríssimos") terem convivido pacificamente com o exibicionismo dos colegas Rangel & Galante como se nenhum tivesse reparado (e estranhado...) a vida de ostentação que levavam - sem lhes ser conhecida riqueza que o justificasse.
Foram, pois, cúmplices por omissão, cometendo o maior crime, aos olhos do Senhor: o de fechar os olhos.
Com a devida vénia ao Público, aqui fica o texto que vinha no jornal de anteontem:

"Sabem o que me lembram os vários juízes arguidos na Operação Lex e a expulsão da magistratura de Rui Rangel? A Igreja Católica com os escândalos de pedofilia.
Os padres católicos entretiveram-se durante décadas especializando-se em recomendar uma moral sexual draconiana — e abusiva — aos crentes do mundo todo, em vez de se dedicarem,
como deviam, a trabalhar em prol dos mais pobres e fracos. Gastavam tempo a decidir se o método Lamaze do parto sem dor ia contra as palavras da Bíblia (verdade, existiu um documento papal sobre isto).
Desmaiavam de indignação com a pílula contracetiva. Diziam enormidades sobre o uso de preservativo, incluindo como meio de proteção contra doenças sexualmente transmissíveis. Esperavam confissão de tudo o que não fosse a sexualidade mais contida dentro do casamento. Isto tudo enquanto milhares de padres abusavam sexualmente e violavam muitas das crianças e adolescentes com que contactavam. O resultado? 
Por muito que tentem, a igreja perdeu qualquer legitimidade  para dar palpites sobre a sexualidade alheia.
Como pode uma instituição que pactuou, protegeu, encobriu e acolheu autores dos crimes mais abjetos arvorar-se em árbitro de comportamento sexual moral? 
Não pode. (Não digo isto por jacobinismo revanchista. Sou católica, estudei numa instituição de jesuítas, não fui lá vítima de abuso — apesar de saber de quem tenha levado uns apalpões de padres — e guardo memórias tremendamente felizes.)
Os juízes portugueses estão igual. E com prejuízo da reputação da maior parte deles, que são seguramente honestos. 
(Tal como a maioria dos padres não são abusadores.)
Passamos a vida a dar atenção ao poder político, que é mais glamouroso. Tem partidos, logo conflito e sangue. Há eleições, há quem perde e quem ganha, é uma espécie de jogo. Os atores geralmente carregam um ego de dimensão generosa, pelo que estão disponíveis para se exibirem. São estrelas.
No entanto, esquecemos o poder judicial. Como os juízes devem ser discretos, porque não aplicam a lei em seu nome (e quando não são, geralmente, é  mau sinal), vemos os tribunais como sensaborões. Acresce uma enorme formalidade, uma linguagem por vezes impenetrável (quem nunca teve ataques de nervos com o juridiquês?), togas negras e indiferenciadas, um certo ar de paragem no tempo.
O poder judicial está no sistema nervoso central de qualquer ideia de civilização decente.
E tem um enorme impacto (às vezes devastador) na vida das pessoas que a ele recorrem ou são enroladas em processos de estirpes variadas.
Mas como se pode esperar dos cidadãos descanso com a dispensa de justiça, uma das quando há cinco juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, um tribunal superior, suspeitos de viciarem processos ou venderem desfechos de casos?
Os tribunais têm um escrutínio risível, apesar de todo o poder. E o poder corrompe, seja político, económico ou judicial. Sobretudo quando ninguém está a vigiar. À comunicação social só chegam as
sentenças mais aberrantes e as investigações mais suculentas. A avaliação dos juízes pelos seus pares e pelo Conselho Superior da Magistratura — bom, já todos percebemos que não é suficiente.
Enquanto se gastam energias vociferando contra substituir os debates quinzenais (onde pouco se escrutina, são só embates encenados) por debates mensais e setoriais  na Assembleia da República, ninguém se ocupa de propor o que seja para aumentar a accountability dos juízes.
As notas dos magistrados, dadas por outros magistrados, são sempre fabulosas.
Ena, são a maior reserva de talento e eficiência nacional. Nem Rui Rangel nem Neto de Moura, esse famoso juiz que enxovalhava as vítimas de violência doméstica nos seus acórdãos, eram cábulas com negativas. A independência dos tribunais tem de ser mantida, claro, desde logo porque de vez em quando têm de julgar casos de corrupção de políticos. Mas os juízes têm de ser mais escrutinados. Não entendo como há anos não há discussão séria sobre isto. 
Nos anos da troika primeiras funções de um Estado, ninguém tinha cabeça para reformas da justiça, e o PS tem-se notabilizado por uma plácida imobilidade. Rui Rio faz umas arengas zangadas sobre o Ministério Público. E mais nada.
E os juízes? Durante anos conviveram com um juiz que, dizem as notícias, tinha nível de vida incompatível com os seus rendimentos e os da mulher. Julgaram que Rui Rangel também tinha uma mãe milionária? Ninguém notou nada? Ninguém sugeriu, baixinho, uma investigação ao MP? Não ocorreu nenhuma denúncia anónima? Olharam para o lado e continuaram a dar boa nota?
Se não tenho dúvidas que a maioria dos juízes são honestos e escrupulosos, também aparentam sofrer de “corporativite aguda”. Tanto mais incomodativa quanto é seletiva. O inquérito disciplinar a Neto de Moura foi aberto a ferros pelo CSM, e resultou numa levíssima sanção por acórdão vergonhoso que foi objetivamente nova agressão a uma mulher que já havia sido espancada com uma moca com pregos por dois homens.
Em contraste, a juíza Clara Sottomayor fez uns comentários no mural de Facebook de uma amiga, em choque com o assassinato da pequena Valentina. O CSM correu a abrir inquérito. Estranhos critérios.
Se existir uma minoria de juízes com suspeita de atuações questionáveis ou criminosas — e, se ainda não houve julgamento da Operação Lex, Rui Rangel já foi sancionado pelos pares — é perturbante para a confiança que os cidadãos precisam de ter nos tribunais, também a convivência dos juízes honestos com os prevaricadores inquieta. 
Afinal, que valores nortearam os restantes juízes? A solidariedade corporativa ou a procura da justiça e defesa da integridade do sistema?
À conta do maior escrutínio da comunicação social (e, neste caso, as redes sociais são um bom mecanismo de pressão), têm-se visto melhorias. Já tivemos acórdãos sobre casos de violência doméstica que parecem provir de humanos. À volta deste caso, o Supremo Tribunal de Justiça não se escondeu na inexistência de julgamento para expulsar Rui Rangel. E teria sido mais confortável e acomodatício se se escondesse.
Mas permanece a inquietude da complacência de juízes honestos com colegas problemáticos. E se os juízes não devem comentar colegas e investigações concretas, é bom que mostrem que não vivem na Lua. Que percebem a machadada na reputação que é o juiz Rui Rangel. 
E tomem a iniciativa na discussão dos meios de escrutínio da atuação dos juízes."

Saturday, July 04, 2020

RANGEL - EXIBIU-SE MUITO, LIXOU-SE. E OS OUTROS?


Quanto malandro, bem vestido e engravatado, andará por aí a arrotar integridade, a transpirar ética e a vender sentenças, redigidas à medida do cliente? Quantos?
Quantos bandidos andarão por aí a viver à grande e à francesa com o que recebem por "favores" e jeitinhos que os cargos públicos que ocupam lhes proporcionam? Quantos?
Quantos Ruis Rangéis e Fátimas Galantes, meretríssimos (vender-se é uma forma de meretrício...) juízes menos exibicionistas andarão por aí ricos, arrogantes, indetetados e impunes? Quantos?
. . . .
E quando será que nós todos (e o Estado, a nossa cúpula institucional) nos deixaremos de tolices e assumiremos que o escrutínio sistemático das nossas contas (bancárias e domésticas), dos nossos ganhos e gastos, dos nossos deve e haver, muito para além do que o fisco já faz, é a única maneira (não gosto de coisas "únicas" mas, francamente, não vejo outra) de garantirmos o combate eficaz à corrupção que o mesmo é dizer que jogamos todos com as cartas do mesmo baralho - limpas, sem marcas e obtidas legitimamente. Quando?
Esse escrutínio viola a privacidade? Hoje, talvez sim, mas ainda há poucas décadas o Mário Soares (e com ele meio Portugal) achava inadmissível que os computadores "falassem entre si", cruzassem bases de dados, e pudessem detetar (como hoje detetam correntemente e "na hora") discrepâncias entre o que o cidadão declara e o que efetivamente pagou ou recebeu. 
Manter a privacidade a este nível é, objetivamente, proteger os corruptos por muito bondosa e bem intencionada que a argumentação pareça.

A TAP - NO PS NEM TUDO TEM OS OLHOS TAP...ADOS


Leiam o artigo de opinião do deputado do PS Ascenso Simões, uma voz discordante do discurso do lobby "Peço a Palavra", do decrépito António Pedro Vasconcelos, que o Governo parece ter adotado.
Aqui vo-lo deixo, na versão integral, com a devida vénia ao Público e o meu elogio ao articulista pela sua honestidade e coragem.
Enjoy!

"A TAP está em morte cerebral há muito tempo, os seus principais órgãos já faliram e ninguém quer desligar a máquina e fazer o funeral que se impõe. Perante este cenário, radical mas profundamente verdadeiro, o Governo português decide entrar de cabeça num processo que nos vai levar ao maior fracasso político dos Governos de António Costa, a um calvário que se vai desenvolver no próximo decénio e que marcará a vida política de forma grave.
Quando, na década de 1990, se mudou o registo das nomeações das administrações da transportadora, com a entrada de Fernando Pinto e uma equipa que, aparentemente, poderia encontrar uma estratégia, os principais eixos assentavam no equilíbrio da exploração, a garantia das rotas que eram centrais na perspetiva da diáspora portuguesa e, ainda, a externalização de funções que possibilitasse a oferta no mercado de serviços não core.
Fernando Pinto encarnou essa missão e contou com o apoio, mais militante ou mais distante, de
cinco primeiros-ministros ao longo das duas décadas de gestão. Não resultou, adiou-se oinevitável.
Os negócios da TAP no Brasil, as opções relativas a algumas rotas, as decisões sobre a aquisição de aeronaves, a transformação da marca TAP em linha branca com um dos piores serviços, a progressiva dificuldade em garantir a fidelização dos clientes e a imprevisibilidade dos seus horários são, porém, as marcas mais visíveis das administrações que, na dependência estratégica do Estado, quase consagraram uma companhia propriedade dos seus gestores.
O processo de privatização desenvolvido pelo Governo de Passos Coelho desmereceu, porém, o elemento saudade das elites portuguesas. Para muitos, de acesso fácil à formação da opinião, a TAP ainda era a grande empresa onde as hospedeiras marcavam a moda, onde se podia beber o melhor uísque e o melhor champanhe em qualquer viagem, a empresa que era um pouco da presença de Portugal em todo o mundo, uma referência de saudade visível na chegada de Simonedepois de um Festival da Eurovisão.
No início da segunda década do nosso século estávamos já no global, no uso fácil do avião, como nas décadas de 1960 e 1970 havia acontecido com o Inter-rail. Com essa democratização do transporte aéreo, com as companhias low-cost a que se juntavam as ofertas de alojamento de baixo custo, milhões de cidadãos passaram a viajar ao preço que melhor lhes convinha, quase nunca na TAP, quase sempre num qualquer voador alternativo.
Os negócios continuaram a fazer-se (cada vez menos) na TAP, em boa verdade porque a tal saudade e a ambição de um melhor serviço ainda sobrelevavam. Mas as empresas que olhavam e olham os custos também deixaram de voar na “verde e rubra”, as agências de viagens abriram a oferta a todas as demais companhias e, nos fluxos intercontinentais, a TAP passou a ter concorrência feroz, quase sempre ganhadora.
A dimensão do mercado português, olhando as métricas do negócio, também desgraduou o interesse em voar para e a partir do Porto e, não raras vezes, impuseram obrigações no transporte aéreo para as ilhas que implicavam a visão “unitária” do país e desmereceriam nas determinações estratégicas que o acionista Estado deveria fazer cumprir. É esta sensação que leva o Norte a revoltar-se e a dizer, agora sem cuidados, que já se passaram os limites da paciência perante ocentralismo lisboeta.
Um olhar atento sobre o processo de extinção da Varig e da mais recente integração da Iberia no grupo British Airways deveria ter obrigado a um pensamento estruturado sobre o negócio da aviação em Portugal. O grande grupo brasileiro, que havia formado Fernando Pinto, caiu com estrondo em 2006, já com o Governo Lula. A incapacidade para gerir a enorme dívida, a abertura dos mercados, o peso excessivo da máquina (também, os interesses cruzados dos partidos políticos) impediram a Varig de se refazer. Os conhecedores do mercado dizem mesmo que se afirma complexa a transformação de uma companhia marca para uma marca como integrante de várias companhias.
Ora, foi exatamente o que aconteceu com a integração da Iberia no aglomerado British Airways, uma marca que tem como objetivo consagrar ofertas para todos os segmentos e corresponder ao transporte à escala global com sinergias na gestão da cadeia de valor.
O processo Iberia pode responder aos grandes argumentos que se apresentam hoje para uma intervenção estatal na TAP. A relação com a América Latina era, no universo espanhol, muito mais relevante que a nossa relação com os países que falam português, a importância insular do transporte aéreo espanhol era incomensuravelmente maior do que a que se afirma nas nossas relações com as regiões autónomas, e o transporte doméstico entre regiões sempre observou uma dimensão que não tem qualquer comparação com a ligação Porto-Lisboa.
Apesar de tudo isso, a Iberia não tinha qualquer capacidade para sobreviver no modelo clássico e pesado, pejado de interesses, que sempre havia adotado, razão bastante para que em Portugal, e por leitura análoga, se observem as reservas mais negras.
O que vai acontecer na TAP, olhando para todas as transformações que se estudaram nas últimas três décadas no espaço europeu, tem uma clareza tal que nos deixa perplexos com a imperícia para enfrentarmos, com coragem, o futuro.
O Estado português vai voltar a ser o ente responsável pelo que se passar, agora sem qualquer desculpa, agora sem poder dizer que não conhecia o enquadramento global em que nos movemos. A TAP vai precisar já dos 1,2 mil milhões de euros para continuar com a boca fora de água; vai precisar de mais capital, talvez o dobro, para se reestruturar; vai reduzir consideravelmente o seu pessoal, as suas rotas, a sua operação; vai alienar aeronaves; vai ficar sujeita à resposta política do dia, às obrigações de corresponder às notícias do dia; vai viver forte instabilidade laboral e vai perder os melhores quadros; vai fazer crescer os seus preços; vai ter pior
serviço por ter de voar com aeronaves de outros; vai ser sujeita aos condicionalismos regionais que já hoje se fazem sentir; vai voltar a ser porta aberta dos interesses partidários e do amiguismo; vai chegar à terceira década do século com uma situação tal que mais não restará que a sua alienação a um preço módico e se houver, nessa altura, algum interessado.
Em política, por este tempo, voltar atrás tem um preço alto, não fazer o que se impõe cria danos irreparáveis. A TAP não tem futuro nesta visão salazarista de “orgulhosamente sós”; não tem qualquer viabilidade se não ceder no provincianismo do verde e do vermelho; não terá qualquer relevância quando se concluir que o tempo de hoje foi um mau tempo.
A pergunta que se faz, perante o que aqui está escrito, é simples: como se pode ser tão descarado na previsão de um futuro distante?
A resposta parece simples: o conhecimento, cada vez mais profundo, dos movimentos dos interesses e o custo enorme em que, nas últimas décadas, se afirmaram as opções ideológicas que negam o movimento da História.
Esta são as duas razões bastantes para o que aqui dizemos.
Estaremos cá!"