Sunday, March 03, 2013

O PUBLICO, A MANIF E A DESONESTIDADE INTELECTUAL

Desde que José Manuel Fernandes deixou a direção do Público e foi substituído por uma tal (deixem-me ver, para não errar) Bárbara Reis (quem?) duas coisas nos editoriais passaram a incomodar-me.
 
- Uma, permanentemente, é o facto de os editoriais terem deixado de ser assinados. Já sei que isso quer dizer que a responsabilidade é do jornal, ou da redação, ou da direção, mas isso deixa-nos sem saber o que a diretora pensa, ela ou quem fez um determinado editorial - isso de criação coletiva, desculpem-me lá, mas tem muito que se lhe diga...
 
- Outra, esporádica mas (parece-me) cada vez mais frequente, é a utilização de afirmações duvidosas ou polémicas como se fossem verdades comprovadas que o leitor pode aceitar como boas ("li no Público, portanto...").
 
No editorial de hoje, a/o/os editorialistas avançam um método original de aferição da crise: olhar para os 50 m em volta do leitor (da sua residência e, presumo do seu local de trabalho), para o que se passa com familiares, amigos e conhecidos e tirar o retrato à crise.
 
Até aqui, tudo bem, como método de recolha de dados - com a possível "chatice" das inevitáveis sobreposições, mas válido como método para cada um definir o grau de afetação pela crise.
 
A parte desonesta é que o editorial dá imediatamente a resposta com um quadro mais que negro de fecho de cafés, padarias, empresas familiares e por aí fora sem (suspeito) ter feito qualquer pesquisa, qualquer recolha de dados, sem se basear em quaisquer inquéritos (e venha o diabo e me fulmine se não é assim...).
 
É verdade que eu não vivo propriamente numa zona degradada, mas em Telheiras, mesmo alargando o raio de 50 para 200 metros ou mais, nos últimos 4 ou 5 anos, salvo raras exceções, para cada loja que fechou outra abriu no seu lugar. As exceções verificaram-se quase todas no interior ajardinado de uma urbanização "de qualidade" onde desde o início a falta de clientes - o local é muito recôndito, muito fora de mão - afetou todos os estabelecimentos que aí se instalaram e algumas lojas, incluindo uma grande esplanada, nem chegaram a abrir. O Chilli's, um bloco com um restaurante, esplanadas e café, foi, parece-me, o único que fechou as suas portas há dois ou três meses, na sequência direta da crise.
 
Na zona onde trabalho, Figo Maduro, a situação é de clara expansão dos negócios. Há 4 ou 5 anos havia muitos armazéns devolutos, hoje estão, na quase totalidade, ocupados por empresas, algumas ainda em instalação (como é o caso de uma televisão brasileira) a maioria em funcionamento. Algumas empresas mudaram-se para outras instalações sendo imediatamente ocupadas as que deixaram. Consequentemente, na rua das tascas, das 5 ou 6 que havia há uns anos, 5 ou 6 continuam a operar - bem e recomendam-se.
 
Na minha área de atividade, transporte aéreo, a generalidade das empresas está a "meter pessoal" e os movimentos de pessoal têm que ver com a saída para outras empresas (inclusive no estrangeiro) e não com despedimentos, não renovação de contratos, etc.
 
Não estou a tentar generalizar esta situação, mas a contrapor factos à generalização simplista (e demagógica) do Público: de facto há sectores da nossa economia pesadamente afetados pela crise (a constução civil e imobiliário, por exemplo), outros menos e outros em expansão (transportes aéreos, por exemplo).
 
O Público, no seu editorial de hoje, diz que de 2008 até hoje as falências aumentaram 1400%. Nada diz, contudo, sobre o que se passou no outro prato da balança. A criação de empresas diminui o ritmo mas o saldo continua positivo (maior o número de empresas criadas que o número de empresas encerradas) e merece uma análise que ainda não vi feita (não digo que não exista). O fecho de uma grande empresa com centenas de pessoas lançadas no desemprego não é compensada por uma empresa criada, com 3 ou 4 pessoas, assim como a instalação em Portugal da Emirates, ou da Embraer, por exemplo, compensam muito mais que o fecho da mercearia da esquina e da tasca do sr Manel.
 
Então,
 
Por que será que o Público só refere um dos pratos da balança? Falta de seriedade? Achará, sinceramente, que não interessa para cacterizar a crise? Simples incompetência?
 
Como eu dizia há dias a um comentador destes temas, no FB, vice presidente da Associação de Estudantes da Universidade do Algarve que se referia às políticas pérfidas deste governo - é nas crises (e estamos numa crise, a portuguesa, dentro de outra crise, a europeia) que é preciso manter a cabeça fria e não alterar o rumo ao sabor dos resultados de curto prazo.
 
E o rumo (parece-me) não pode deixar de ser o que aponta à situação em que gastemos em função do que temos, do que criamos. O caminho é penoso, doloroso (empobrecer é sempre difícil...) podemos atenuar as dores mas não eliminá-las completamente.
 
Esconder isto das pessoas como se as "políticas de crescimento e emprego" fossem alternativas à austeridade é (penso) profundamente desonesto.
 
E é o que o Público anda a fazer...