Não me lembro a que (des)propósito, perguntaram-me há dias quem é que eu achava que tinha sido o homem que mais marcara o século XX.
Vieram-me à ideia os nomes habituais como Churchill, Bill Gates, Pasteur, Mao, Stalin, Hitler mas nenhum se manteve por mais que uns instantes pois nenhuma das marcas que cada um deixou, "boas" ou "más", me pareceu merecer tal destaque.
Até que, de mansinho, se me insinuou o nome do Teng Xiao Ping, o Pequeno Timoneiro, que depois de décadas de expurgos e reabilitações, agarrou a sua oportunidade de conduzir a China para a trajectória de desenvolvimento económico e social de que Mao e todos os que o antecederam a tinham mantido teimosamente afastada.
Como de costume, a resposta veio tardiamente, já a conversa tinha acabado ou seguido outros caminhos (que porra! as saídas de leão, as respostas prontas, os ditos de espírito ocorrem-me sempre - ou quase sempre - muito depois de terem tido a sua oportunidade), de modo que aqui a deixo: mais vale tarde que nunca.
A diferença entre Mao e Deng não estava em o Mao ser mau e o Deng ser bom, ou um ser louco (o Mao não andava longe disso...) e o outro ser ajuizado. Mao era profundamente ignorante de tudo o que fosse economia e do que era o mundo exterior e acreditava que a sua vontade, o seu comando, bastava para que tudo funcionasse como ele pretendia. Se assim não fosse, algum inimigo estava a sabotar o processo. Assim, qualquer "colega" que adquirisse prestígio a ponto de por em perigo a sua posição de nº 1 tinha que ser afastado, humilhado, aniquilado. Chou en Lai foi mantido (quase) sempre na posição de nº 2 pela percepção que Mao tinha da sua grande utilidade (quer internamente, quer nas relações internacionais), mas essa proximidade nunca excluiu humilhações muitas vezes ridículas (a tradutora no cadeirão, Chou, o premier, numa cadeira de mero assessor) e maus tratos que chegaram ao ponto de lhe ser negado (por Mao) o tratamento de um cancro - que acabou por matá-lo.
Em vida de Mao, Deng nunca esteve numa posição de destaque tal que fosse encarado por Mao como uma verdadeira ameaça (chegou, salvo erro, a 6º vice primeiro ministro) de modo que as vezes que foi afastado nunca o foi da forma violenta e "drástica" como sucedeu, por exemplo, a Liu Xao Chi.
Mas a verdade é que as suas teses acabaram por vingar (depois da morte de Mao e da neutralização do Bando dos Quatro) e o país continuou comunista sem ter que obrigatoriamente usar só gatos vermelhos e reconhecendo que enriquecer é glorioso.
Deng teve até a virtude de perceber que, para o país sair do pântano em que Mao o enterrou e seguir pela via mais curta para transformar potencialidades em realidades e tirar da fome e da pobreza centenas de milhões de cidadãos, não podia permitir-se abdicar do poder centralizado e forte. Só assim tinha a garantia de que as decisões tomadas seriam postas em prática sem grandes hesitações entre as milhentas alternativas possíveis.
Daí a necessidade da repressão em Tien am Men. Por muito que custe à nossa sensibilidade, se o massacre de Tien am Men não tivesse ocorrido, teríamos tido uma China a marcar passo como a Rússia marcou durante 10 anos, eventualmente amputada do Tibete e de outras partes do território que, com maior ou menor legitimidade, aspirassem à secessão.
E assim, temos hoje uma China comuno-capitalista (pode?!), com um poder fortemente centralizado mas com uma economia a crescer à volta dos 10% ao ano a ponto de se perspectivar a sua ascenção a 1ª economia mundial dentro de pouco mais de 10 anos, com as áreas rurais a saírem paulatinamente da pobreza ancestral (nas cidades o desenvolvimento foi mais rápido e começou mais cedo, claro), com uma população com um poder de compra crescente, bem vestida (enfim, melhor...), bem alimentada e bem instruída.
Que grande diferença, quando olhamos para o país pobre, esfomeado, ignorante e amedrontado do tempo de Mao!
Não vejo, pois, ninguém que tenha marcado mais e de forma tão profunda o século XX e com uma influência que se vai continuar a exercer muito para lá da viragem do século, como o Pequeno-Grande Timoneiro, Deng Xiaoping.
That's the MAN!